A Borra - Espaço de reflexão crítica sobre as Artes Cênicas no Ceará
Fui prestigiar a programação do 15º Festival Popular de Teatro em Fortaleza, realizado no Espaço Popular de Artes. O festival é promovido pela Companhia Prisma de Teatro. Na programação da noite, conferi de perto a abertura de processo do Animal Móvel, do Coletivo Arremate.
O Arremate é um grupo de teatro feminista formado por mulheres artistas de Fortaleza, Ceará, professoras de teatro e dança, atrizes, bailarinas, encenadoras, dramaturgas, musicistas e produtoras que decidiram assumir, em conjunto, a resistência no fazer teatral da cidade.
Experimentar com plateia sempre dá um frio na barriga. Mas lá estavam elas: Edla Maia, Mariana Elani, Elaine Cristina, Brena Deodato e Evelise Marreiro, uma força singular de mulheres potentes no teatro cearense.
O “Animal Móvel” propõe a jornada de reivindicar o corpo e a mente feminina, transformando a antiga acusação do útero como um animal doente e errante em uma celebração da mulher como um ser forte, instintivo e em movimento. O trabalho expõe como o sofrimento mental das mulheres é, muitas vezes, um produto social e não uma falha biológica ou moral, convidando o público a ver a histeria não como patologia, mas como uma resistência histórica contra a opressão.
A construção do texto, ainda em retalhos, apresenta como pano de fundo a história de vozes silenciadas pelos maus-tratos ocorridos no Hospital Colônia de Barbacena/MG. A obra de referência é o livro-reportagem da jornalista Daniela Arbex, lançado em 2013.
Marcelo Tas entrevistou a escritora e jornalista Daniela Arbex, que revela as histórias do manicômio de Barbacena, em MG, no programa Provoca da TV Cultura.
O tema escolhido pelo ARREMATE é a Saúde Mental, uma problemática contemporânea que requer grande afinco tanto na pesquisa de mesa quanto na pesquisa in loco, por meio da escuta de profissionais da saúde, bem como de pessoas acometidas por algum transtorno psíquico, entre outros.
Ao meu ver, esse processo ainda está em sua etapa inicial, pois, na demonstração cênica, senti falta de elementos documentais e factuais que deem maior sustentação à criação artística. Trata-se de uma proposta com muitos elementos simbólicos, os quais acabam por inibir tanto a atuação das atrizes quanto a força do texto dramático (ainda em construção).
Outra questão de que senti falta foi o olhar externo. É difícil atuar e dirigir ao mesmo tempo , é de fato, um grande feito. A diretora e atriz Edla Maia se desdobra para ocupar ambos os papéis. No processo de criação, há inúmeras etapas que a encenadora precisa acompanhar: construção das cenas, elaboração da dramaturgia, criação dos mapas de luz e de som, entre outras. Trata-se de um caminho árduo e repleto de desafios.
Precisamos de acolhimento
Após a pandemia, estamos vivendo um verdadeiro boom de casos relacionados à saúde mental. Quem nunca recorreu à fluoxetina ou à sertralina? O ser humano está precisando, com urgência, de cuidado e acolhimento, seja no ambiente organizacional, na escola ou no seio familiar.
Algo que me chamou a atenção é o fato de que todas as atrizes são professoras de artes, seja na rede pública ou privada. No próprio dia da apresentação (02/12/2025), um aluno feriu um colega com uma faca em uma escola particular da capital. Ou seja, a problemática da saúde mental atravessa o cotidiano dessas atrizes, que transitam entre a ficção e a dura realidade do exercício da docência.
(G1/CE: Aluno fere colega, professor e coordenadora de escola com faca em Fortaleza. veja a matéria clicando aqui)
Por ora, o “Animal Móvel” serviu um chá de camomila ainda frio — desses que acalmam, mas não aquecem. Ainda assim, tenho certeza: ele há de ferver. Da próxima vez, o sabor virá quente, vivo, borbulhando o que ainda está por despertar.
Merda, meninas!
Fica o meu respeito e carinho pelo trabalho da Coletivo Arremate de Teatro.
FICHA TÉCNICA
Elenco: Edla Maia, Mariana Elani, Elaine Cristina, Brena Deodato e Evelise Marreiro
Direção: Edla Maia
Dramaturgia: Coletiva
Coordenação Dramatúrgica: Evelise Marreiro
Consultoria Dramatúrgica: Curso Dramaturgias em Teatro - TJA.
Ilustração: Jorge Sindeaux
Video: Daniel Uchoa
Veja mais: https://www.netflix.com/title/81745085



