A Borra - Espaço de reflexão crítica sobre as Artes Cênicas no Ceará
Foto: Tim Oliveira
Sair de casa, atravessar a cidade,
pegar um Uber ou procurar espaço
para estacionar no entorno
do Centro Dragão do Mar
sempre será um ato de coragem.
Mas é preciso ousar.
É preciso romper a bolha do streaming,
desligar o mundo em pixels,
escapar do imaginário que nos prende
e deixar que o corpo encontre a rua,
o vento, a vida pulsando ao vivo.
Porque o real também chama,
e é nele que a gente se descobre.
Assim o fiz: saí de casa no domingo, 9 de dezembro, para assistir ao espetáculo Amigo Imaginário, do Teatro Espiral.
“Este projeto é apoiado pela Secretaria Estadual da Cultura, com recursos provenientes da Lei Complementar 195/2022.”
Início do espetáculo: 19h35.
Logo de cara, vi a beleza da cenografia, da luz e o cuidado com os elementos no palco. Um espetáculo plástico, com encenação contemporânea e roteiro oriundo de um processo coletivo.
A peça começou às 19h35, com as primeiras falas ainda frias, mornas. Aos poucos, os atores foram se soltando e colocando as palavras em cena. Na sincronia dos intérpretes, em pleno domínio das cenas, destaca-se Rayssa Torres. Os jovens atores Alisson Emanoel e Erik Willyam demonstram estar em busca de uma interpretação mais consistente, ou de um amadurecimento do espetáculo.
Quando a dramaturgia foge dos padrões, é sinal de que o público precisa fazer um esforço maior para decodificar a obra. No teatro contemporâneo, a poética aristotélica é colocada de lado. O verbo já não importa; as regras não são seguidas. Tudo é quebrado. O teatro passa a ser reação. Como afirma Jean-Pierre Ryngaert, “o texto do teatro não imita a realidade, ele propõe uma construção para ela, uma réplica verbal prestes a se desenrolar em cena”.
Lá pelas tantas percebi que eram os atores falando de suas angústias. Opa! Já havia ali traços de metalinguagem!? Nesse desafio de entender ou tentar entender, lembrei muito do teatro do absurdo. Mas era tanta coisa misturada no meu cérebro que preferi apenas sentir o que vinha de lá pra cá. Como dizia uma grande encenadora do teatro cearense:
“Teatro não é pra entender, é pra sentir.”
Ok! Então, vale tudo.
Nos meus processos de montagem (sou diretor e pesquisador do Imagens), fico ansioso para saber como o meu trabalho vai chegar ao público. Fazer teatro é sempre uma ousadia, um risco. Às vezes achamos que estamos abalando, mas na hora H a coisa não flui. Já tive experiências lindas, mas também já tive “desastres”. E os “desastres” foram justamente aqueles que eu achava que estavam abalando. Por isso, sempre penso que você só faz teatro vendo teatro. Aprender? Acho que é utopia. Estamos sempre em busca de entendimento. Pesquisando, pesquisando…
Não dá para subir no palco e transmitir a imagem de que somos deuses, de que sabemos tudo. Quanto mais achamos que somos os melhores, mais percebemos que ainda estamos em busca de algo. E, no nosso meio, a vaidade e a luxúria cercam o nosso modus operandi.
É preciso ir pesquisando, experimentando, arriscando-se, jogando-se…
Focar no trabalho do ator. Independentemente do que vem depois do pós-dramático, sempre haverá um ser humano por trás da obra.
Salvatore Garau, artista italiano, vendeu uma escultura invisível chamada Eu Sou por R$ 87 mil. Ainda assim, havia alguém por trás da obra. Sempre há.
Fico preocupado quando 90% dos brasileiros preferem atividades culturais online (fonte: Observatório da Fundação Itaú).
Nosso desafio é tirar esse público de casa e levá-lo ao teatro.
É preciso pensar no espaço de apresentação, pensar no público. Qual é o nosso público-alvo? O espetáculo é comercial? É destinado a uma classe seletiva de “intelectuais”?
Voltemos.
O espetáculo terminou
22h05 de mergulho, de espanto, de desordem.
Saí do teatro carregando inquietações:
o teatro que faço,
o teatro que nunca aprendi a fazer
(e sigo tentando),
e o teatro que acabei de assistir,
que ainda latejava em mim.
Peguei meu Uber. Paguei R$11, 30.
Moro perto do Dragão do Mar.
Voltei pra casa.
Tomei meus remédios de colesterol
O corpo lembrando que é mortal.
Preparei meu pão com ovo,
Cheiro de café no fogão ,
jantei em silêncio.
Sentei diante do computador,
depois deixei o YouTube me levar
por bobagens necessárias,
dessas que lavam a alma sem compromisso.
E apesar de tudo,
a cabeça não parava:
sempre refletindo.
Assim é o teatro.
Assim seguimos:
ora acertamos,
ora apenas arriscamos.
E como é difícil o nosso ofício,
tão frágil, tão gigante,
tão feito de dúvida.
Dormi 1h01 da manhã.
A M I G O I M A G I N Á R I O
Ficha técnica:
Direção: @owesllencruz
Roteiro: @teatro_espiral
Elenco: @alissonemanoel, @erikwillyam e @rayssatorrs
Figurino: @ruth_aragao
Iluminação: @aline_rodriguesluz
Trilha sonora original: @apessoabob
Criação e concepção cenográfica: @anavitoria.umaso
Design gráfico e fotografia: @timemmovimento
Vídeo mapping: @ti.ego
Fotografia de processo: Aracy Frutuoso
Produção executiva: @rayssatorrs
Assistência de produção: @atn.guilherme e @_cidaaraujoo
Assistência jurídica: @brunapessoa.__
Mídias sociais: @maarcosrian
Assistência de cenografia: Ana Beatriz Cavalcanti
Estágio em cenografia: @less.anbel
Execução de elementos cenográficos: @srlipex
Confeccionista / Costureira de cenografia: Regina Waterloo Serrão
Realização: @teatro_espiral



