Entre tradição e mudança, o dia de folga teatral se mantém como símbolo, mas já é questionado no cenário cultural contemporâneo.
Na rotina da maioria das pessoas, a segunda-feira marca o início da semana de trabalho. No teatro, ao contrário, é vista como o “domingo dos artistas”: o dia de pausa, repouso e silêncio dos palcos. Essa tradição, presente em vários países, não surgiu por acaso. Ela reflete tanto a organização histórica do teatro quanto os hábitos do público.
Pesquisadores como Iná Camargo Costa (1996) já apontavam que, desde o século XX, o teatro brasileiro se estruturou em torno de temporadas concentradas nos fins de semana. A lógica é simples: sextas, sábados e domingos são os dias em que a população mais procura lazer. Esse modelo se repete em outros lugares, nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, a segunda-feira é chamada de dark day, quando os teatros permanecem “às escuras”.
Décio de Almeida Prado (1993) também registrou que o público para a segunda-feira praticamente não existia no início do século passado, reforçando a folga como um hábito natural. Mais recentemente, pesquisadores como José da Costa (2018) e Jorge Dubatti (2019) voltaram a discutir a questão, lembrando que a dinâmica das temporadas ainda hoje se organiza de forma parecida: a concentração do público continua nos fins de semana.
Mas, como observa Sílvia Fernandes (2000) e também o crítico Valmir Santos em textos recentes (2022), o descanso não é apenas uma resposta à bilheteria baixa. É também uma necessidade do próprio ofício teatral: ensaios, montagem e desmontagem de cenários, ajustes técnicos e até duas sessões diárias aos sábados e domingos. A segunda-feira, nesse sentido, funciona como o contraponto necessário a um trabalho que exige intensidade contínua.
Nos equipamentos culturais, essa lógica se reflete também nas equipes técnicas. Profissionais responsáveis por operação de luz, som e manutenção dos espaços costumam seguir o regime 6x1, seis dias de trabalho para um de folga, o que faz da segunda-feira o dia coletivo de descanso, tanto para quem está no palco quanto para quem garante as condições de funcionamento dos espetáculos.
O que chama atenção hoje é que essa tradição começa a ser questionada. Com a ampliação de públicos e a diversificação das práticas de consumo cultural, sobretudo em grandes cidades, já existem espaços que testam programações às segundas-feiras. Algumas casas de música, bares e até shows de humor perceberam que esse “vazio” no calendário pode se transformar em oportunidade.
Assim, se de um lado a segunda-feira continua sendo um marco simbólico do descanso, de outro já se abre espaço para refletir: ainda faz sentido manter os palcos às escuras nesse dia? A demanda contemporânea, especialmente em capitais onde o lazer se distribui por toda a semana, pode dar novos contornos a essa convenção centenária. Talvez a segunda-feira siga como “domingo dos artistas”, mas não mais como ausência de público, e sim como dia de reinvenção da cena.