O Surgimento do Teatro Infantil: Contextos Históricos no Ocidente e no Brasil.

Escrito em 05/10/2025
William Axel

Da pedagogia moralizante à experiência estética e imaginativa da infância


Espetáculo "Brujas" do Coletivo Miúdo de Teatro. Foto: Iago Barreto Soares.

 

      O teatro infantil, enquanto manifestação artística voltada à infância, é um fenômeno relativamente recente na história do teatro ocidental. Em suas origens, o teatro não contemplava a criança como público específico ou como sujeito cultural diferenciado. Na Grécia Antiga, por exemplo, o teatro estava intimamente ligado à vida cívica, religiosa e filosófica da pólis, com tragédias e comédias que visavam à reflexão ética e política da coletividade adulta. Durante a Idade Média e o Renascimento, o teatro manteve esse caráter público e moralizador, sendo associado a festividades religiosas, mistérios, moralidades e farsas populares, sem distinção etária entre os espectadores.

     A ideia moderna de infância, compreendida como uma fase particular do desenvolvimento humano que exige formas próprias de educação, linguagem e expressão, consolidou-se apenas entre os séculos XVII e XVIII, a partir das transformações sociais e pedagógicas desse período. Autores como Jean-Jacques Rousseau, em Emílio ou Da Educação, defenderam a infância como tempo de formação sensível e imaginativa, distinta da racionalidade adulta. É nesse contexto que surgem as primeiras tentativas de aproximar o teatro do universo infantil, ainda sob uma perspectiva pedagógica e moralizante.

    Durante o século XIX, o teatro passa a ser utilizado em escolas, orfanatos e instituições religiosas como instrumento educativo, herança Jesuíta. As encenações tinham o propósito de transmitir valores éticos e comportamentos considerados adequados, frequentemente a partir de adaptações de contos de fadas e narrativas edificantes. Entretanto, o reconhecimento da potência estética e simbólica do imaginário infantil levou à ampliação desse campo. O surgimento do teatro de bonecos e o desenvolvimento de dramaturgias que valorizavam o lúdico marcaram uma transição fundamental, a criança deixa de ser apenas espectadora passiva da moralidade e passa a ser reconhecida como sujeito de sensibilidade e imaginação.

    No Brasil, o teatro infantil teve trajetória semelhante, iniciando-se no ambiente escolar e religioso, com forte viés pedagógico. No entanto, é apenas a partir da década de 1940 que o teatro para crianças se consolida como linguagem artística autônoma. Esse movimento se deve, sobretudo, à atuação de Maria Clara Machado, fundadora do Teatro Tablado, no Rio de Janeiro. Autora de obras emblemáticas como Pluft, o Fantasminha, O Rapto das Cebolinhas e A Bruxinha que Era Boa, Machado inaugurou uma nova concepção de teatro infantil, aquele que respeita a inteligência da criança, estimula a imaginação e propõe uma experiência estética completa, e não meramente didática.

    Na contemporaneidade, o teatro infantil ultrapassa a fronteira da pedagogia e assume papel central na formação estética e ética do espectador. Mais do que um teatro “para” crianças, fala-se hoje em um teatro com a infância, isto é, um campo de experimentação sensível em que a ludicidade, a imaginação e o afeto se articulam com questões sociais, ambientais e políticas.


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